JOSÉ ALBERTO LOURENÇO | ECONOMISTA
O PAÍS E OS TRABALHADORES PRECISAM DE OUTRA POLÍTICA
Ao longo dos últimos anos, sucederam-se as perdas do poder de compra dos trabalhadores da Administração Local, com os salários a ficarem “congelados” nalguns anos ou (como nos anos mais recentes, em que a inflação superou os 10%), a serem ligeiramente actualizados, mas sempre muito aquém do agravamento do custo de vida.
Depois de, entre 2010 e 2024, os trabalhadores da Administração Local, no seu conjunto, terem sofrido fortes perdas acumuladas de poder de compra, para este ano, o governo PSD/CDS decretou actualizações salariais na Administração Pública/Local de 56,58 €, para salários até 2.631,62 €, e de 2,15% para os salários acima daquele montante, valores que são muito insuficientes para fazer face aos actuais níveis da inflação suportados pelos trabalhadores.
Relembre-se que, segundo o último “Inquérito Quinquenal às Despesas das Famílias” (2022 e 2023), quase 2/3 das despesas médias mensais de um agregado familiar concentram-se em despesas com habitação, alimentação e transportes (por cada 100 € de salários destas famílias, pelo menos 66 € são para suportar estas despesas mensais, sobrando apenas 34 €).
Ora, entre 2022 e 2024, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que as despesas com produtos alimentares cresceram 27,7%; as despesas com rendas efectivas aumentaram 14,9%; as despesas com os pagamentos dos empréstimos com a habitação subiram 40%; as despesas com o abastecimento de água, recolha de lixo, saneamento básico e serviços diversos relacionados com a habitação cresceram 24,5%, enquanto as despesas com transportes subiram 10,3%. Ou seja, estas despesas cresceram, em três anos, bem acima das actualizações salariais anuais.
Pagas estas despesas, pouco sobra, se é que sobra, para a educação, para as despesas de saúde, para o direito à cultura e ao lazer a que deveriam ter direito.
Estas são as razões fundamentais porque, em 2025, os trabalhadores da Administração Local continuam a empobrecer, mesmo que o Governo diga que procedeu à actualização dos seus salários.
Essa actualização não só é insuficiente, face ao ritmo de crescimento dos preços dos bens e serviços, como se soma a uma perda sucessiva acumulada de poder de compra dos trabalhadores da Administração Local, que regista-se há quase duas décadas.
400 MIL TRABALHADORES SÃO POBRES!
Os resultados do “Inquérito às Condições de Vida e Rendimento - 2023/2024”, retratam bem a degradação das condições de vida dos trabalhadores – em que se incluem, naturalmente, milhares da Administração Local –, ao constatarem que mais de 400 mil trabalhadores são considerados pobres, apesar de trabalharem; que cerca de 44,3% da população desempregada é pobre; que 35,4% (1,6 milhões de famílias) não têm capacidade financeira para pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa, suportando a despesa de alojamento e viagem para todos os membros do agregado; ou que cerca de 29% das famílias (1,3 milhões) não têm capacidade financeira para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada próxima do valor mensal da “linha de pobreza” (sem recorrer a empréstimo), cerca de 632 €.
Efectivamente, Portugal precisa de outra política, que reconheça e valorize, em termos salariais e profissionais, os trabalhadores e, em particular, os da Administração Local e as suas carreiras específicas, contribuindo para a sua dignificação perante a nossa sociedade.
Os trabalhadores da Administração Local, num contexto em que cresce, permanentemente, a desresponsabilização do Estado Central, com a transferência de cada vez mais competências para o Poder Local – sem os correspondentes recursos financeiros indispensáveis a uma melhoria nos Serviços Públicos –, vêem ser aumentadas as suas responsabilidades em diferentes áreas importantíssimas para a vida dos nossos munícipes: da habitação, à educação, passando ainda pela saúde, acção social, património, protecção civil, ambiente, cultura, transportes e vias de comunicação, estruturas de atendimento ao cidadão, estacionamento público, policiamento de proximidade, protecção e saúde animal, segurança de alimentos e contra incêndios, áreas portuário-marítimas e urbanas de desenvolvimento turístico e económico não afectas à actividade portuária, praias marítimas, fluviais e lacustres, informação cadastral, gestão florestal e áreas protegidas, e modalidades afins de jogos de fortuna e azar.
Exige-se, por isso, a valorização, o reconhecimento, a dignificação e o respeito pelas diferentes carreiras profissionais dos trabalhadores da Administração Local.