A GREVE PODE PRESSUPOR, MAS NÃO TEM NECESSARIAMENTE DE O FAZER

Num momento em que tanto se fala de greves e serviços mínimos é importante centrar a discussão e perceber do que é que, afinal, falamos: o direito à greve é um direito fundamental de todos os trabalhadores, consagrado no art.º 57 da Constituição e nos art.os 530 e seguintes do Código do Trabalho.

A partir do momento em que uma Greve é convocada, se o aviso prévio nada disser em contrário, todos os trabalhadores da empresa ou sector abrangidos podem aderir, sem que precisem de informar quem quer que seja (especialmente a entidade empregadora). E todos os trabalhadores que não trabalhem no dia da Greve estão em greve, a não ser que estes, e apenas estes, digam o contrário!

E estando em greve, não podem ser substituídos por outros trabalhadores que, normalmente, não trabalhem nesse local ou desempenhem as funções dos trabalhadores em greve, ou seja, um motorista não pode substituir um canalizador, nem uma auxiliar de educação pode substituir um professor.

Sendo a greve um direito fundamental dos trabalhadores, este só pode ser limitado na estrita medida do necessário para salvaguardar a efectivação de outros direitos fundamentais, pelo que não pode, em caso algum, sofrer limitações que diminuam a extensão e o alcance da norma constitucional que o consagra.

Os serviços mínimos correspondentes a “necessidades sociais impreteríveis” a que se refere o Código do Trabalho (CT), serão assim, à luz Constituição, necessidades sociais cuja insatisfação se traduza na violação de correspondentes direitos fundamentais dos cidadãos e não meros transtornos ou inconvenientes resultantes da privação ocasional de um bem ou serviço.

A greve provoca sempre transtornos e incómodos, e é, aliás, esse o seu objectivo constitucionalmente consagrado: mostrar ao empregador que alguma coisa tem que mudar. Mas, estando em causa outros direitos fundamentais, torna-se necessário encontrar o equilíbrio que permita que nenhum deles seja eliminado.

Assim, o CT estabelece quais os órgãos ou serviços em que poderá verificar-se a necessidade de prestação de serviços mínimos, em função de circunstâncias concretas. Porém, a actividade normal desses órgãos ou serviços não corresponde, em abstracto, à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, o que equivaleria à negação do Direito à Greve por parte dos seus trabalhadores, tornando-se, por isso, necessário demonstrar que aquela greve põe em causa, efectivamente, a satisfação desses direitos fundamentais

E nos casos em que tal suceda e se mostre necessária a prestação de serviços mínimos, a sua definição deve “respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”, justamente para garantir, por um lado, a salvaguarda dos serviços públicos essenciais que correspondem a direitos fundamentais constitucionalmente consagradas, e, por outro, o direito à greve dos trabalhadores, também ele fundamental e consagrado pela Constituição.

CERTO E ERRADO!

Vejamos duas situações em concreto: uma greve de 24 horas em empresas ou entidades do sector do abastecimento de água e outra no sector dos bombeiros.

Todos precisamos de água, pelo que, se não tivermos acesso a esta o nosso direito à vida estará em causa, logo, são obrigatórios serviços mínimos. Certo? Não, errado!

O facto de haver uma greve de 24 horas no sector da água não implica, necessariamente, que deixe de existir abastecimento de água a todos os que dela necessitem. A água continua a correr nas canalizações, pelo que continuará a chegar a casa de todos, não existindo, portanto, e em concreto, uma violação a este direito só porque foi declarada uma greve.

Mas podem existir rupturas e deixar de haver água em alguns lados, logo têm que existir serviços mínimos para o caso de uma emergência. Certo? Não, errado! Uma pessoa normal, em condições normais, pode existir sem água por tempos superiores a 24 horas, pelo que não ter acesso a ela em períodos que podem ir até esse período (pressupondo que a tal ruptura acontecia no momento exacto em que a greve começa) causa incómodo e é desagradável, mas não põe em causa o direito à vida.

E mesmo em situações especiais, como hospitais ou serviços que precisem de água para evitar acidentes graves (bombeiros, certas indústrias, etc.), será sempre necessário demonstrar que essas entidades não têm reservas que permitam assegurar os serviços.

EQUILIBRAR DIREITOS CONSTITUCIONAIS

Ora, todos os municípios têm reservas de água que permitem responder a estas necessidades em caso de falta em períodos muito superiores as 24 horas, logo não está demonstrada que a greve põe em causa, efectivamente, outros direitos constitucionais. Só nos casos em que este perigo exista, efectivamente, deverão ser consagrados os serviços mínimos e, mais uma vez, apenas na medida do necessário para os garantir.

Quanto aos bombeiros, sendo certo que não é possível prever, em concreto, que irão existir emergências durante este período, o risco das mesmas e as suas consequências determinam a necessidade de prever serviços que possam, efectivamente, acorrer a estas emergências. O risco para o direito à vida nestes casos é de tal forma acentuado que é necessário que existam dispositivos mínimos que possam evitar emergências (o mesmo sucederá por exemplo, nas emergências dos hospitais).

Mas, mais uma vez atenção: durante a greve, os trabalhadores afectos a serviços mínimos não estão obrigados a cumprir o seu trabalho normal (como actividades administrativas ou logísticas), mas apenas e tão-só garantir que situações que possam pôr em causa as necessidades sociais impreteríveis sejam tratadas!

Em caso de dúvida, cabe ao Piquete de Greve e aos dirigentes e delegados sindicais que o compõem definir se uma situação anormal deve ou não ser tratada no momento. A entidade empregadora não pode dar ordens aos trabalhadores em serviços mínimos, excepto para determinar a forma como estes são cumpridos, nos termos estritos do que estiver definido.

DECIDIR COM BASE EM INCÓMODOS

Existe, actualmente, um sentimento que faz equivaler incómodos a violação de direitos fundamentais, criando, deste modo, a ideia de que, existindo uma greve, teriam sempre que existir serviços mínimos. Nada podia ser mais errado. Uma greve pode pressupor serviços mínimos, mas não tem necessariamente de o fazer.

É sempre preciso aferir, caso a caso, quando e como uma greve coloca em causa outros direitos fundamentais para justificar a existência de serviços mínimos, embora algumas decisões recentes (de tribunais e do Governo) pareçam esquecer esta realidade fundamental, julgando e decidindo com base em sentimentos de incómodo e não naquilo que a lei e a Constituição obrigam.

É, assim, essencial que os sindicatos e os trabalhadores estejam informados do que é efectivamente uma greve e os serviços mínimos para combater sentimentos fundamentalistas exacerbados por meios de comunicação que, tendo a obrigação de informar, estão mais preocupados em empolar situações em prol das suas audiências.

 

INTERVENÇÃO DAS FORÇAS POLICIAIS

Não se verificando qualquer perturbação de ordem pública, as forças policiais não têm competência para intervir e/ou arbitrar em conflitos laborais, pelo que elementos destas forças não têm legitimidade ou competência para interferir nas funções do Piquete de Greve ou tomar quaisquer decisões relativas a serviços mínimos. Da mesma forma, os meios de segurança e vigilância privados não podem interferir com a greve, nomeadamente impedindo o acesso do respectivo piquete ao interior das instalações.